Nalguns momentos desta vida nos deparamos com fatos que não conseguimos expressar... Mas alguém, noutro tempo o conseguiu. De uma forma ou de outra transmitiu aquilo que sentia num semelhante momento. Semelhante, pois cada momento é único, impossível de acontecer identicamente da mesma forma e intensidade duas ou mais vezes. Esse momento já aconteceu noutro tempo - e isso é o suficiente para ele nunca ser repetido...
Então, para conseguirmos expressar isto ou aquilo que não somos capazes usamos aquilo que outrem nos deixou.
Durante anos convivi com um poema, lindo, cheio de força e sentimentos, mas limitava-me a entendê-lo e interpretá-lo pela vontade alheia. E assim gostava dele, por quem o escreveu e por tudo o que ele me fazia viver.
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E é neste momento que o uso. Neste momento que não sei expressar aquilo que sinto, aquilo que vivi, aquilo que me consome pensamentos... Aquilo que aconteceu assim:
"De repente do riso fez-se o pranto Silencioso e branco como a bruma E das bocas unidas fez-se a espuma E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento Que dos olhos desfez a última chama E da paixão fez-se o pressentimento E do momento imóvel fez-se o drama.
De repente, não mais que de repente Fez-se de triste o que se fez amante E de sozinho o que se fez contente. Fez-se do amigo próximo o distante Fez-se da vida uma aventura errante De repente, não mais que de repente."
Soneto da Separação - Vinicius de Moraes
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