31 janeiro 2016

Uma viagem...

Tirei uma caneta da mochila e viajei. 
Viajei para o mais longe que poderia ir dentro de mim. E cheguei lá, onde um denso breu dava a sensação de um enorme vazio. Não se via nada. Nem mesmo os olhos já treinados nas noites sem lua no meio do nada, ajudaram a enxergar um centímetro à frente do meu nariz. 
Som não havia. Pairava um silêncio ensurdecedor. Comecei a ouvir o próprio pestanejar. De nada adiantava isso sem poder enxergar. Resolvi fechar os olhos para aliviar a loucura. E toquei.
Senti tocar algo amorfo, molengo, sem cheiro, sem vida. Forcei mais uma vez a minha visão, mas era inútil tal tentativa. Cresceu uma vontade de não me afastar daquilo, mesmo que fosse objeto desconhecido. 
Sentei. Ou pelo menos tentei. Tornou-se difícil fazer qualquer movimento. Meu corpo congelava gradualmente e os movimentos cada vez menores. 
E tudo parou. 
O silêncio aumentou na mesma proporção da tortura que mesmo o cerrar do olhos não diminuía. E gritei. O mais alto que poderia, mesmo que ninguém ouvisse. O grito desesperado saiu pela goela levando o pouco de alma que ainda restava. Saiu como cuspe e acertou o objeto amorfo. Não consegui ver isso. Não ouvi o impacto. Mas senti um perfume estranho saindo daquele pedaço de coisa, como se houvesse uma reação química desencadeada naquele exato momento. 
O cheiro causou náuseas e não ter movimentos dificultava qualquer atitude para não vomitar. Antes do vômito um único pensamento me inundou - assim é o fim. E meu corpo sentiu o líquido viscoso que saía da boca. As roupas ficaram entranhadas de algo pior que o petróleo. Não haveria salvação para elas além de um depósito de lixo.
O frio parou. Cada gota de vômito, aquecia a pele e devolvia a sensação de poder sair dali o mais breve possível. Escapar daquele lugar era imprescindível se ainda existisse algum neurônio são em mim. Difícil seria encontrar o caminho de volta...
Formou-se uma lama escorregadia sob meus pés e qualquer passo era em vão. Constantes eram os tombos das tentativas de fuga. Até que num dolorido levantei a mão na busca de qualquer ajuda. Senti algo semelhante a uma corda. O cuspe que ora tinha atingido o objeto amorfo, escorreu e solidificou, criando um fio que foi forte o suficiente para me erguer. Resolvi atar a minha cintura com aquilo. E fechei os olhos. Cerrei-os o mais que podia, com as últimas forças que ainda restavam. Não eram muitas, mas as suficientes para conseguir ver novamente a caneta da mochila antes de ter partido...
E desejei não ter viajado. Pois foi assim que faleci.