16 janeiro 2015

Pela noite...

Tarde da noite o sono não lhe vinha. Os barulhos da rua eram poucos, um carro que passara, um caminhar apressado, movimentos de algum vizinho mais desastrado que as paredes finas denunciavam, o caminhão do lixo fazendo seu trabalho. Ela olhava para a janela, fixamente, vendo os insetos voadores rodopiarem em torno do poste de luz. A rua era apenas iluminada por aquele feixe de luz. O resto era breu. Foi quando suspirou. Foi o único som que se ouviu naquele instante. Todo o resto estava silencioso. A sua casa não tinha nenhuma outra alma se não a dela.
Deitou, no intuito de conseguir ao menos descansar seus olhos, já que sua mente trabalhava incansavelmente em algo que ela não entendia. Tentativa frustrada. Foi quando percebeu que o teto de casa era verde. Observou, examinou e refletiu durante horas o motivo disso. O que fazia alguém pintar um teto de verde? Sentiu enorme vontade de rabiscá-lo. Ao menos naquele pedaço que ficava em cima da sua cama. Haveria alguma tinta escondida pela casa, pensava ela sem a intenção de se levantar para procurar.
Piscou... Por instantes se entregou ao cansaço. Mas a volta à insônia foi rápida. Porém diferente. Ela saiu da cama determinada. Arrumou a casa como há tempos não fazia. Deixou cada coisa em seu lugar, ajeitou aquele velho lustre torto que ela não gostava, devolveu à sala o jarro de flores que detestava, guardou todas as toalhas no armário. Limpou cada canto com muito detalhe. A casa nunca estivera tão limpa. Tudo ficou em perfeita harmonia, mais do que o dia em que ela se mudara.
Ela chegou de mala e mochila. Entrou pela porta de casa e suspirou ter um teto, não importasse a cor. Sentou-se no sofá e ficou horas admirando sua nova varanda. Não era a casa dos sonhos, mas era real. E era o que importava naquele momento. Ali ela montou seus planos, sua vida. Aos poucos ia tirando seus pertences da mala. Tirava, colocava de volta, tirava novamente. Aos poucos já suas coisas já mesclavam a paisagem da casa. A casa foi sendo sua. E ela da casa. Ali amava, chorava, conversava e dormia. A cozinha tinha seus temperos, o quarto seus cheiros. O tempo assim passava por ela, ela pela casa e a casa pela vida.
Agora ela descobrira o teto verde numa noite de insônia. Ao se lembrar disso, depois de se dar por satisfeita com a limpeza, resolveu fazer as malas. Guardou todas roupas, embrulhou o que era desnecessário ao dia-a-dia, lacrou o que não usava. E sentou em cima da mala preta, ao terminá-la de fechar. Olhou à sua volta e suspirou. Estava tudo pronto.
Tudo limpo, ajeitado, feito. Poderia partir a qualquer momento. Largar tudo, esquecer, reviver. Não estava nos planos dela. Mas porque não? Não tinha um porquê, não havia um sequer motivo para uma fuga assim. Mas ela se sentia confortável com aquilo. Poder sair quando quisesse lhe dava sensação de total liberdade.
Circulou pela casa toda e conferiu tudo. Olhou para as malas. Conferiu se a porta estava trancada. Observou os primeiros raios de sol da janela do seu quarto. E adormeceu confortavelmente na sua cama.

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